quinta-feira, 10 de março de 2011

O FASCÍNIO E A DIFICULDADE DE SER CASAL


O FASCÍNIO E A DIFICULDADE DE SER CASAL

“Todo fascínio e toda dificuldade de ser casal reside no fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, dois desejos, duas percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas indentidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma só conjugalidade, isto é, com um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. Como ser dois sendo um? Como ser um sendo dois? Na lógica do casamento contemporâneo, um e um são três, segundo Caillé. Para este autor cada casal cria seu modelo único de ser casal, portanto, a definição de casal contém os dois parceiros e seu ‘modelo único’, seu absoluto”. Estas são afirmações de um interessante artigo da terapeuta e pesquisadora carioca Terezinha Féres-Carneiro.

OS VÍNCULOS REALIZAM O “PRÓPRIO” DA FAMÍLIA
A família nasce para dar continuidade e estabilidade às relações de pertença entre marido e mulher, filhos, e outros num sentido mais amplo. Estes vínculos realizam o próprio da família, mas, essa mesma família, que se forma para dar espaço aos vínculos experimentados como positivos, cultiva o ideal da autonomia e em alguns momentos considera os vínculos opressivos e mortificantes, cada um procurando alcançar à liberdade um dia vinculada a outra pessoa.

Feres-Carneiro prossegue, em seu artigo: “A constituição e a manutenção do casamento contemporâneo são muito influenciadas pelos valores do individualismo. Os ideais contemporâneos de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Por outro lado, constituir um casal demanda a criação de uma zona comum de interação, de uma identidade conjugal. Assim, o casal hoje é confrontado, o tempo todo, por duas forças paradoxais: a individualidade (eu) e a conjugalidade (nós). Se, por um lado, os ideais individualistas estimulam a autonomia dos cônjuges, enfatizando que o casal deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um, por outro lado, surge a necessidade de vivenciar a realidade comum do casal, os desejos e projetos conjugais.

A relação conjugal vai se manter enquanto for “prazerosa” e “útil” para os dois cônjuges. Valorizar os espaços individuais significa, muitas vezes, fragilizar os espaços conjugais, assim como fortalecer o casal demanda, quase sempre, ceder diante das individualidades.

A VIDA DO CASAL SITUA-SE NO PONTO INTERMEDIÁRIO ENTRE COMUNHÃO E DIFERENCIAÇÃO
Se há exagero no cultivo do eu (individualidade), ou no cultivo do nós (conjugalidade), entra-se na área dos conflitos: quando se perde de vista a ‘diferenciação’, não é possível chegar à união madura, que permanecerá então infantil e simbiótica; e quando se perde de vista a ‘união’, tem-se duas pessoas individualistas, preocupadas consigo mesmas e não com a construção do novo sistema familiar.

O equilíbrio entre essas duas linhas - independência e dependência (diferenciação e comunhão) - é o foco da vida do casal. Essas duas linhas são anteriores ao matrimônio. Suas raízes remontam à primeiríssima infância. A soma de todas as experiências sucessivas contribuiu progressivamente para formá-las ou deformá-las. Nessa evolução das duas linhas é que surge, em um dado momento, a decisão de casar. Por conseguinte, a relação de casados refletirá o grau de maturação das duas linhas: Individualidade (independência, autonomia) e Comunhão (dependência, partilha, pertença, conjugalidade). 

O crescimento da ‘individualidade’ é um processo de libertação contínua, passando da dependência para a flexível autodeterminação; e da segurança do ventre materno, para o risco. O crescimento da ‘comunhão’ faz emergir a alegria da partilha e do vínculo humano e possibilita o amor, na vida adulta. Este processo dura uma vida.