sábado, 22 de janeiro de 2011


TESTAMENTO DE VIDA

Segunda-feira passada, andando pelo centro da cidade, diga-se de passagem, fazia um calor enorme, foi quando ouvi uma voz alta e esbaforida que me chamou atenção. Um senhor de paletó marrom escuro, já com as rugas e linhas de expressão denunciando a idade mais avançada ou uma vida que não foi repleta de facilidades, falava de uma forma folclórica a história de sua conduta de vida. Versava sobre a presença de Deus nela e, ao longo de seu discurso em cima do caixote, concluía às idéias finais de cada oração com as seguintes palavras: "esse é meu testamento de vida...".

As pessoas que passavam pelo local aglomeravam-se ao redor do homem e ficavam olhando umas para as outras rindo do efeito repetitivo das palavras e da forma com que o cidadão se expressava. Dois homens à minha frente comentavam entre eles: "está errado, é testemunho de vida". O senhor não se incomodava com o burburinho e continuava sua palestra, sinceramente não sei se ele apercebeu-se dos comentários.

Fiquei mais um pouco e segui meu caminho com a pregação do homem em minha mente. Pensava: "testamento de vida ou testemunho de vida?". Bem, como sou cartorário refleti logo que o termo testamento realmente não se aplicava. Dirigi-me ao trabalho e o dia seguiu seu caminho.

Na hora do jantar, envolvido com as preocupações cotidianas, peguei o garfo e parti de pronto direto à ceia, quando fui interrompido. Minha filha mais nova falou: - pai e a oração?

Como em um passe de mágica a resposta para as interrogações da manhã foram desnudadas. No mesmo instante que Cecília falou compreendi a verdade subjetiva nas palavras do orador.

Pois bem, não deve interessar a nós Cristãos possuir uma vida cheia de testemunhos sem nenhum legado. Nosso espólio é nossa ação evangelizadora. Precisamos sim nos preocupar com nossa caminhada, porém, não podemos nos esquecer de congregar ações missionárias junto a nossa comunidade.

Testemunhar a fé "de dentro para dentro" é peregrinar em buscar de uma santidade vazia.

Nosso verdadeiro testamento não é simplesmente inspirar ações cristãs. Mas transpirar a cada dia um pouco de nosso poder de "amar uns aos outros", através de uma ação concreta junto à nossa família e comunidade.

Só assim poderemos nos reconhecer como filhos de Deus, enxergando no outro a nossa fé. Uma fé construída lado-a-lado, como irmãos que somos.

Percebi minha pequenez diante dos desígnios de Deus. Um senhor, possivelmente sem formação, pregava e em seu depoimento citou a palavra testamento ao invés de testemunho, e mesmo sem querer usar isso como característica principal de seu discurso, tocou-me como Cristão. Um dia li que quando estamos viajando não é a chegada que importa, mas desfrutar imensamente do prazer e das belezas do caminho. Ele, não estava parado em sua busca pela santidade. Talvez, buscar a santidade não fosse o seu objetivo, mas ele não estava simplesmente esperando Cristo voltar.

Quem sabe o que nos falta é um pouco mais de despojamento, para que então possamos sem medo subir no caixote e falar: "esse é, meu testamento de vida".

Rainey Barbosa Alves Marinho