quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

MANIFESTO DO MOVIMENTO FAMILIAR CRISTÃO


Enviado aos Bispos do Brasil e ao Cardeal Dom Cláudio Humes, responsável pela formação do Clero na Cúria Romana, aos Movimentos Leigos e outros. Este documento é para ser divulgado em Paróquias, nos meios de Comunicação Social, a todos os membros do MFC, e ao maior número possível de pessoas.

A FORMAÇÃO DOS PRESBÍTEROS NO BRASIL
(O LEGADO DE JESUS)

O Movimento Familiar Cristão tomou conhecimento da reunião dos Bispos do Brasil, em Itaicí, onde o tema central foi a “Formação Presbiteral: Desafios e Diretrizes”, assunto de suma importância e interesse para o Povo de Deus. Nós laicos, maior porção deste povo não podemos nos omitir. Então referendados pelo Concílio Vaticano II (Lúmen Gentium, nº 37) fazemos uma série de reflexões e propostas sobre a formação e perfil do Presbítero necessário à Igreja do Senhor.

O Movimento Familiar Cristão tem consciência de que a competência é uma exigência do Reino, portanto, o envolvimento de um maior número de pessoas gera mais alternativas de soluções futuríveis.

TEMPO DE MUDANÇA
No que diz respeito ao pensamento e ação de Jesus acerca da “formação dos apóstolos”, ao que tudo indica a referência traz a idéia de planejamento como “artifício” para facilitar o que foi a sua nova tomada de decisão; isto é o que a gente se aventura a depreender depois da chamada crise da Galiléia, pelo discurso diferente que o Mestre passa a assumir, numa linha totalmente diversa daquela da temporada da Montanha. A partir de então ele passa a ater-se à formação do colégio apostólico centrando a sua ação, pedagogia e opção com vistas a dar continuidade à realização da proposta motivo de sua humanização. Com outras palavras, ele passa a formar aqueles de sua escolha para assegurar o prolongamento do mistério de sua encarnação - a Igreja.

JESUS E A FORMAÇÃO DOS APÓSTOLOS
Jesus foi o primeiro formador e instituidor do colégio apostólico. Sua ação, pedagogia e opção nos servirão de guia na presente análise e proposta; acreditamos que sua divina sabedoria deverá iluminar os séculos, ainda que por motivos culturais ou ideológicos possamos solapar seus ensinamentos e propor projetos de sabedoria humana. Infelizmente, na Igreja, é preciso reconhecer, o exemplo pessoal de Cristo nem sempre foi seguido. As razões são duas: ignorância, no sentido literal, ou recusa.

AS ESCOLHAS DO MESTRE
Jesus escolheu pessoas inseridas em suas comunidades – não estranhas - que faziam parte de sua história, conheciam seus problemas, viviam as alegrias e os sofrimentos dos demais. No começo era assim, os bispos e os presbíteros emergiam das comunidades, como relata os Atos dos Apóstolos; Paulo, em várias oportunidades, designa pessoas desse perfil para exercerem essas funções.

O Senhor escolheu somente adultos, no que Paulo o seguiu. Isso sucedeu nos primeiros séculos da era cristã e posteriores, até o Concílio de Trento no século XVI, que instituiu os seminários e inicia a preparação de adolescentes para o presbitério.

Outro aspecto a considerar é que Jesus elegeu pessoas com os mais diferentes perfis: Pedro e André eram pescadores, casados, homens simples, talvez analfabetos em um mundo onde a maioria era analfabeta; escolheu João, solteiro, provavelmente alfabetizado e de uma inteligência nada comum: seu evangelho o atesta; convocou Simão o Zelota, politicamente engajado, contrário à dominação romana, um subversivo do ponto de vista dos dominadores; atraiu Mateus, casado, com família, e cobrador de impostos para o Império; em nada apreciado pelos judeus.

Parecia, contudo, que o quadro dos apóstolos não estava completo; faltava Paulo de Tarso, altamente instruído, ao menos bilíngue; distinguia-se dos demais pela erudição e sabedoria, reconhecidas inclusive por Pedro. As elites intelectuais precisam interlocutores qualificados para serem evangelizadas, a fé e a doutrina precisam ser aprofundadas.

Podemos dizer, salvo melhor juízo, que os Apóstolos refletiam o grau de instrução do povo. O diferencial estava na formação recebida de Jesus, durante três anos.

Os escolhidos do Senhor eram de suas comunidades, adultos, de diferentes profissões e perfis políticos e ideológicos, de diversos estratos da sociedade, alguns analfabetos e pouco instruídos, outros certamente alfabetizados e com alguma instrução; um excepcionalmente culto, a maioria casada, alguns solteiros, que não foram proibidos de se casar, se o quisessem. Era o clima de liberdade que gozava a Igreja Primitiva, exaltada por Paulo na epístola aos Gálatas. Onde há liberdade, aí Deus está presente.

É preciso enfatizar que as pessoas escolhidas por Jesus não constituíam, na maioria, uma elite intelectual, embora houvesse nesse tempo elite intelectual. Jesus optou pela diversidade ou pluralismo de perfis, foi avesso a uma uniformização - o que foi seguido nos primeiros séculos da Igreja, e que deveria servir de parâmetro para os séculos seguintes, o que, infelizmente não aconteceu, pelas razões apontadas.

O SEMINÁRIO
O Seminário foi fundado no século XVI, pelo concílio de Trento, face aos problemas de formação do clero, então vigentes; e, também, para enfrentar a reforma de Lutero, garantir a ortodoxia, uniformizar a formação.

Pode ser que a resposta de Trento tenha respondido parcialmente às necessidades de seu tempo. A partir de então as pessoas passaram a ser “retiradas” de suas famílias e comunidades, para viverem longe do mundo e seus problemas (fuga do mundo?!) –, diferentemente do que Jesus prescrevera: “Pai, não peço que os tires do mundo, mas que os preserves do mal” (João 17,15)

O Seminário se constituiu, de fato, numa redoma; propiciou a fuga do mundo e a alienação de seus problemas; pessoas do sexo masculino convivendo exclusivamente com iguais, em ambiente saturado pela masculinidade, totalmente diferente do mundo real, e desequilibrado. Após os anos de estudo e formação os presbíteros recém ordenados eram enviados para comunidades com as quais não tinham o menor vínculo, cujos problemas eram ignorados e cujas histórias estavam sendo construídas sem a mínima participação deles. – Não é demais recordar que ainda na segunda metade do século XX havia os pré-seminários com crianças de 10, 11 e 12 anos retiradas do aconchego familiar para viverem em regime de internato, durante o ano letivo; o que certamente influiu na formação de suas personalidades: a graça supõe a natureza.

Estamos seguros que o Seminário, como instituição, está superado. E que a uniformização na formação do clero, também. O Seminário é lugar de reclusão, as pessoas ficam alheias aos problemas dos comuns dos mortais; os seminaristas convivem principalmente com iguais, o que é empobrecedor do ponto de vista humano, e limitante no aspecto emocional. Essa instituição foi fundada no século XVI; o mundo mudou, e muito, o século XXI está infinitamente distante das condições sociais, religiosas e políticas daquele tempo. Não acreditamos, por outro lado, que a reclusão de pessoas em ambiente restrito seja capaz de propiciar a formação do cristão chamado a exercer o pastoreio do povo de Deus. O Seminário não só está superado como é prejudicial enquanto aliena o candidato a presbítero do dia-a-dia do povo, de suas aflições, e por sonegar-lhes uma experiência mais extensa do mundo real. Isso certamente tem influenciado seu modo de falar, pensar, relacionar-se e conviver com o povo de Deus.

OS PRESBÍTEROS HOJE
Os presbíteros têm hoje dois cursos universitários: filosofia e teologia, constituindo verdadeira elite intelectual, que exclui a maioria que não conclui a escola média, no Brasil. O que era para ser serviço torna-se privilégio. E se agregarmos o celibato obrigatório, a exclusão chega a índices alarmantes, que se evidencia no número ínfimo de pastores. Conseguimos, assim, privar o povo de Deus do pão da palavra e do pão da eucaristia. Esquecemos o exemplo do Senhor, ou o rejeitamos. A disciplina, o ordenamento jurídico eclesiástico, de fato, passa a ser mais importantes que o mandamento de Jesus: “Fazei isto em memória de mim” (Lucas 22,19).

No judaísmo, os sacerdotes e os escribas deveriam ser pessoas de elevada instrução. Para Jesus, a fé, a piedade e a disponibilidade para o Evangelho falavam mais alto.

A elitização do clero (lembramos as três classes da Idade Média: os Nobres, o Clero e o Povo) pela instrução e pelo celibato tornou-se gargalo de exclusão. Sem pastores, milhões de batizados migram para outras confissões religiosas que lhes dão conforto espiritual e uma palavra de fé. É a sangria na Igreja... Enquanto se sonega aos católicos o direito de serem evangelizados.

Para relembrar, os católicos no Brasil éramos 95% da população na metade do século passado, hoje chegamos aos 70% (será? – o censo dirá se alcançamos a cifra ou se somos menos), e seremos menos ainda no futuro, se os rumos da Igreja não mudarem, e se ela mantiver o modelo atual de presbítero. Isso não nos sensibiliza?!

O PRESBÍTERO QUE POSTULAMOS
É aquele que se encontra na proposta de Jesus.
Poderão ser ordenados presbíteros os adultos, casados ou solteiros, profissionais engajados na Igreja de suas comunidades e reconhecidos como tal. Poderão ter concluído a escola fundamental, ou a escola média, ou, ainda, ser portadores de título universitário – sujeitando-se à formação específica de três anos ou seis semestres (tempo que Jesus empregou na formação dos apóstolos), que poderá ser proporcionada no horário que atenda as possibilidades dos candidatos (durante o dia, à noite, ou em fins de semana), cujo currículo deverá ser elaborado com ênfase em teologia bíblica, espiritualidade, doutrina social cristã.

O tempo dedicado ao pastoreio e à missão será variável, dependendo da disponibilidade e carisma de cada um. Alguns terão dom especial para proporcionar catequese para adultos, outros para orientar círculos bíblicos, outros para visitar enfermos, etc. Tarefa comum será celebrar a eucaristia nas noites dos dias de semana nas casas de família, aí incluída a vizinhança, na qual se fará a partilha da palavra tendo em vista a evangelização, com fortalecimento da Igreja doméstica e de pequenas comunidades – como na Igreja Primitiva. Pastor e povo conviverão, como preconiza o Evangelho.

O presbítero será pessoa da comunidade, inserida, e não estranha.
É preciso também lembrar a escolha de Paulo. Postulamos conseqüentemente, a existência de presbíteros com elevado grau de instrução em filosofia e teologia, como também em ciências humanas, para que possam dialogar com os iguais de seu tempo, e aprofundar teologicamente a mensagem cristã: esta, contudo, não será a regra. Sugerimos, também, que a formação teológica seja focada em teologia bíblica, acompanhada de espiritualidade e doutrina social cristã.

O Senhor concede a muitos cristãos com vocação ao matrimônio a graça do chamamento ao presbitério – conhecemos pessoalmente adultos casados que afirmam que exerceriam o ministério sacerdotal se a Igreja os acolhesse; e solteiros, se pudessem casar, como acontecia até o século XII quando foi promulgada a lei do celibato obrigatório para o rito romano. Há presbíteros que se casaram, e que continuariam a exercer o ministério, se a Igreja permitisse; mas sabemos, eles são excluídos, com evidente prejuízo do povo de Deus. A lei do celibato, de fato, é mais importante que o mandamento de Jesus, e a necessidade e o direito do povo ficam em segundo plano; privilegia-se a lei. Postulamos que esses presbíteros sejam reintegrados; e que a mudança de estado civil, em qualquer tempo, não seja motivo para impedir o exercício do presbitério recebido na ordenação. O sacramento do matrimônio não inabilita alguém para o ministério; pelo contrário, proporciona-lhe uma rica experiência que o capacita para entender e tratar os problemas familiares; e o povo tem o direito de ser evangelizado. A lei não suprime a graça, pode impedi-la ou abortá-la, como muitas vezes tem feito. Jesus se queixou amargamente dos judeus que criavam leis e costumes para sabotar o mandamento de Deus (Mateus 15, 1-7), realidade que se repete. São Paulo discorreu sobre a lei e a graça na Epístola aos Gálatas, mostrando como a graça está infinitamente acima da lei, a lei era o pedagogo, mas chegada a graça, a lei perde sua função.

Observamos como a graça de Deus nem sempre tem encontrado acolhida na Igreja. Não faltam vocações ao presbitério, faltam vocações ao modelo único proposto pela Igreja: excludente, elitista, antievangélico porque não acolhe a graça que Deus dá a muitos, e impede que a graça que foi dada torne-se efetiva; e, também, porque priva o povo do direito da palavra e da eucaristia, empurrando-o para outras confissões religiosas.

Propomos que o presbitério seja popularizado, já que é uma graça para o bem do povo, e não para uso pessoal; e que não seja privilégio nem de intelectuais nem de celibatários – condições excelentes para o exercício do presbitério. Nosso modelo é agregador, de inclusão.

Já não é sem tempo, urge mesmo, adotar um modelo de atuação que se constitua de um conjunto de condições que possam e devam satisfazer “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem porque elas são também as angústias dos discípulos de Cristo, e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história” (G S, nº 1).

BISPOS
O que dissemos a respeito dos presbíteros, afirmamos sobre os bispos: serão de diversos perfis, casados ou solteiros, segundo recomenda Paulo na 1ª carta a Timóteo (3, 2-5): “...O bispo tem o dever de ser irrepreensível, casado uma só vez, sóbrio, prudente... Deve saber governar bem a sua casa, educar os seus filhos na obediência e na castidade. Pois, quem não sabe governar a própria casa, como terá cuidado da Igreja de Deus?”- O que, de resto, está conforme a prática de Jesus – se não a considerarmos superada!

MULHERES
Abrimos nosso coração ao sacerdócio ministerial das mulheres, embora sabendo da tradição machista presente no judaísmo e cristianismo. Paulo fala da diaconisa Febe, de Cêncris (Romanos 16, 1). Ora o diaconato é participação no sacerdócio ministerial, se podem ser diaconisas, podem ser também presbíteras.

Paulo também se refere mais de uma vez a Áquila e Priscila como seus cooperadores (Romanos 16,3; 1 Coríntios 16,19), e à Igreja que se reunia em sua casa para a partilha da eucaristia. Paulo se refere a Timóteo, bispo, também como cooperador (Romanos 16,21).

O SONHO = ESPERANÇA
Sonhamos com um tempo em que teremos um pastor para dois mil católicos, visitando as casas durante a semana e celebrando a eucaristia, formando comunidades eclesiais domésticas, em que o pastor conhecerá as ovelhas e estas o reconhecerão. Pastores casados, solteiros, provavelmente a maioria com a escola fundamental ou média, e um menor número com formação universitária – nas condições atuais, o que poderá mudar. Os presbíteros terão a cara do povo, e o povo os reconhecerá; eles sairão de suas comunidades e serão carpinteiros, pedreiros, pintores, garis, vendedores, motoristas, comerciários, industriários, bancários, soldados, advogados, médicos, administradores de empresa, engenheiros, enfim, de todas as profissões e de todos os estratos sociais, exercendo o ministério em tempo parcial ou pleno. Eles serão antes de tudo, pessoas de fé, piedosas e comprometidas com o Evangelho, inseridas em suas comunidades.

O TEMPO QUE ESPERAMOS
Quando o exemplo e a prática de Jesus forem considerados, e os primeiros séculos da Igreja servirem de parâmetro para os cristãos dos séculos seguintes, a sangria na Igreja começará a estancar! E muitos voltarão ao redil. A Igreja florescerá, e será fecunda!

Nesse tempo, o Evangelho estará acima de tudo! As leis e ordenamentos serão meios, não fim. O mandamento de Deus estará acima das tradições humanas. A necessidade e o direito do povo de ser evangelizado serão considerados.

Oremos para que o Espírito guie e ilumine a Igreja neste tempo de missão, e que ela seja fiel ao Mestre.


José Newton e Ariadna Ribeiro
Coordenadores Nacionais do Movimento Familiar Cristão